Há dias em que o café esfria antes mesmo de ser sentido. A xícara ainda está cheia, mas a cabeça já partiu — correu para as urgências, as mensagens não lidas, as obrigações que se acumulam como louça na pia da vida.
Mas hoje não. Hoje o café não precisou esfriar.
Sentei devagar. Olhei a janela. Nenhuma paisagem extraordinária — só o mesmo quintal de sempre, o mesmo céu em tons de cinza, as folhas balançando com preguiça. Mas houve algo ali, entre o vapor da xícara e o silêncio da manhã, que me fez permanecer. Sem necessidade de correr, de postar, de responder.
A cada gole, um pensamento: quantas vezes deixamos o café esfriar porque esquecemos de estar? Porque o corpo está ali, mas a alma ainda não chegou?
Há uma delicadeza em simplesmente beber o café enquanto ele ainda está quente. É quase um gesto de resistência. Uma escolha: não deixar a vida passar apenas no modo automático, não permitir que tudo precise ser urgente, eficiente, produtivo.
Esse café, simples e quente, foi mais do que uma pausa. Foi presença.
E talvez seja isso que tento fazer aqui: escrever para não esquecer de sentir. Registrar o que cabe na pausa — mesmo que breve — antes que o tempo corra e o café esfrie de novo.

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